Muitas coisas me chamam a atenção no trabalho de Alexandra,
dentre elas, a competência que a artista tem de planejar e organizar o seu
trabalho. Eu que a acompanho bem de perto desde Festejos (Acari Records, 2013), já pude
perceber o quanto isso faz diferença na arte que ela produz; outro elemento que
merece destaque é vontade que ela tem de se mostrar inteira e fiel ao seu
sentimento e desejo na elaboração da identidade do seu disco. Nossa cantora
está com os dois pés no Nordeste e cantando sentimento.
Alexandra sempre demonstrou muita consciência na construção e
escolha do repertório para o novo disco. Para Feita na Pimenta (Tratore, 2018), tem-se
12 faixas que mostram a mulher vivendo plenamente seus sentimentos. Uma
observação: as letras foram escritas por homens que exaltam as mulheres.
É interessante como a artista vê nas letras a força e a delicadeza do sentimento, do desejo e instinto feminino sem tornar isso vulgar ou constrangedor. É aí, sobre as composições, que ela dispõe todas as suas competências artísticas, cognitivas e
emocionais, assim como a sua melhor energia. Aí também está o reconhecimento da
malícia no discurso direto nas letras de duplo sentido que há tempos chamam a
sua atenção e a nossa - seus fãs - que também damos importância a qualidade do
que se canta.
A verdade é que já faz um tempo que a imagem feminina em letra
de música deixa de lado (ou não significa) a postura daquela que ama e sente,
mas ao contrário, acentua seus aspectos físicos em primeiro lugar.
A indústria fonográfica percebeu a preferência nacional pelos atributos físicos da mulher e apostou todas as suas fichas aí; consonante
a isso, além da erotização das coreografias das bandas, surgiu uma nova
vertente da cultura da massificação. A imagem pejorativa da mulher é
representada em composições nas quais há um jogo de sedução cuja finalidade
está na conquista e realização de desejos - apenas.
Para o seu novo trabalho, Alexandra dispara: “Chega de falar das
minhas partes. Eu quero falar de uma mulher que sente, que ama e se sente plena com tudo tem e o que
pode”.
O que a nossa cantora faz é a realização do que disse Mario
Quintana:
“A gente pensa numa coisa, acaba escrevendo outra e o leitor
entende uma terceira coisa… e, enquanto se passa tudo isso, a coisa
propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita”.
Não é de hoje que ela insiste e não abre mão de cantar o
sentimento de maneira simples, inteligente, delicada e rica de detalhes, sem
necessariamente explicitar de modo pejorativo as relações afetivas, sentimentos
e desejos que são naturais do ser humano. Mulher é sedutora e poderosa e embora
isso não tenha boa compreensão no discurso de senso comum, Alexandra canta por elas e para
elas.
Num disco animado, quente forte, de elevada qualidade musical, inspirada
em experiências pessoais, com a mãe, que a ensinou a ser quem ela quisesse, Alexandra
Nícolas, acompanhada de um time de excelentes músicos, canta aqueles que usaram as suas poesias a favor da malícia do duplo
sentido, para exaltar de modo gostoso e prazeroso, a mulher que é convicta do seu valor, que é parceira daquele com quem escolheu viver, que gosta do que faz e do que é e
que foi feita num amor cheio de pimenta.
Alice Moraes
Alexandra Nícolas – Fã Clubes