Um roteiro diferente e divertido.
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Foto: Zema Ribeiro (23/06/2015) Compartilho com os leitores deste blog, o belíssimo texto do jornalista Zema Ribeiro sobre a apresentação da nossa querida Alexandra Nícolas, no último dia 23.
Texto original em: Blog do Zema.
“Durante
muito tempo certa repetitividade era ingrediente inevitável na programação dos
arraiais juninos em São Luís do Maranhão. Desde que, há mais de 20 anos,
Roseana Sarney monetizou a coisa em definitivo e fez disso moeda de troca
eleitoral, num tempo em que showmícios e que tais ainda eram permitidos por
lei.
Explico:
até bem pouco tempo – e talvez isto ainda aconteça, em maior ou menor escala –
inchava-se a programação junina mesmo com artistas sem nenhuma relação ou
intimidade com o período, longe de algo parecido, guardadas as devidas
proporções, com o carnaval multicultural do Recife, por exemplo.
O
que acontecia: o turista ou nativo que optasse por passar a noite inteira em um
mesmo arraial, invariavelmente ouviria a mesma música repetidas vezes, no show
deste ou daquele artista, por repertórios montados a toque de caixa ou
quaisquer outros motivos, sem qualquer preocupação ou (maior) ambição estética.
O show
apresentado ontem (23), às 21h, na praça da Casa do Maranhão (Praia Grande),
por Alexandra
Nicolas, artista das mais simpáticas e talentosas surgidas em nossa terra
nos últimos 20 anos, dá pistas de como superar um modelo falido de São João.
Sua apresentação dá várias pistas disso.
Primeiro,
Alexandra Nicolas tem público cativo, independentemente de palcos sazonais
oferecidos pelo poder público. Segundo, não é forçar a barra a artista integrar
a programação junina da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão: sua obra,
mesmo que fiquemos apenas em Festejos (2013),
seu único disco gravado até aqui, mostra sua intimidade com o forró, o xote, o
coco, o bumba meu boi e o tambor de crioula, para ficarmos em algumas
nordestinidades em um disco em geral rotulado como de samba – pelo repertório,
todo de autoria de Paulo César Pinheiro – ou de choro – pelos músicos
acompanhantes.
Alexandra
tem os pés (descalços) no terreiro e os olhos e ouvidos nas janelas do Brasil.
Seu repertório demonstra um trabalho de pesquisa, não se dissociando, mesmo
para o que poderia ser um mero show de São João, de sua carreira fonográfica,
não se limita ao óbvio nem ao local, erro comum em artistas em busca de,
digamos, legitimidade junina.
Como
o turista que anda por São Luís, e havia vários na praça ontem, empunhando suas
máquinas fotográficas, “entra em beco, sai em beco”, Alexandra chega chegando
com Madalena (Isidoro), hit de Gilberto Gil, para depois passear pela Feira
de mangaio (Sivuca e Glorinha Gadelha). Depois decreta: É proibido
cochilar (Antonio Barros). Mas disso todo mundo já sabe, atento que está o
público para a ginga, o rodar da saia, a empatia da artista com a plateia, de
gente que dança agarrada ou só, entre um selfie e outro.
Depois
das escamas da Serpente da lua cheia (Ronald Pinheiro), ela pega
carona nas asas daPipira (João do Vale e José Batista) e, continuando o
passeio pelo Maranhão, desvenda O segredo do coco (João Madson).
“Esta eu aprendi a cantar com Didã”, revela, referenda. “Vai estar no próximo
disco”, anuncia. Depois do Maranhão, volta a Festejos, disco que (quase)
dá nome ao show, Festejo no Arraial. Emenda o coco do maranhense radicado
em São Paulo ao Coco de Paulo César Pinheiro, levando a plateia a
arriscar-se no trava-língua, que ela canta acelerando, ao final, sem correr
risco nenhum, a esta altura, acompanhada apenas pelo pandeiro frenético de
Marquinhos: “peguei no taco/ com o taco bati no coco/ que o coco deu um pipoco/
por pouco o coco não cai/ galo, no oco/ do toco, que ronda o choco/ o galo tá
no sufoco/ dá soco que o galo sai”.
A
banda, aliás, merece destaque à parte: além do citado percussionista, Fleming
(bateria), Carlos Raqueth (contrabaixo), Rui
Mário (sanfona) e Robertinho
Chinês (cavaquinho), todos senhores de si em seus instrumentos –
dispensariam ensaios, mas disto a artista não abre mão, para a coisa fluir da
maneira mais descontraída e com a melhor qualidade possível.
Feito
o destaque, voltemos ao repertório. “Os meninos da banda brincam comigo que tem
muita Madalena no meu disco, que dava pra fazer um disco só com Madalena. Tem
alguma Madalena aí?”, indaga à plateia. E canta Bisavó Madalena (Paulo
César Pinheiro e Wilson das Neves). Depois pede licença para bulir com a
plateia: “quero ver se vocês conhecem. Essa eu pesquei do fundo do baú do baú
do baú”, avisa, dando a devida ideia da profundidade do guardado que ela
re-revela. “As pessoas tendem a achar que fuleiragem é coisa ruim. Eu gosto
muito de uma fuleiragem. Fuleiragem, catrevagem, sacanagem, tudo é coisa boa”,
provoca, entre risos seus, dos músicos e da plateia contagiada. E canta Bulir
com tu (Cecéu), lançada por Hermelinda em 1988: “Se você pensa que chega
de madrugada/ assim como quem não quer nada/ meu bem se enganou/ não adianta se
deitar na rede/ por que a minha sede/ você não matou/ mas se você dormir/ eu
vou bulir, eu vou bulir, bulir com tu”.
Do
repertório de Jackson do Pandeiro pesca Sebastiana (Rosil
Cavalcanti), para depois voltar a João do Vale com o Forró do beliscão (João
do Vale, Ary Monteiro e Leôncio Tavares), antes de despedir-se com o bumba meu
boi São Luís do Maranhão (Paulo César Pinheiro), que passeia pelo
tambor de crioula, fecha seu disco e fechou seu show.
A
dinâmica dos arraiais não permite bis, já que após o show de Alexandra Nicolas
os brincantes do bumba meu boi de costa de mão de Cururupu já se preparavam
para sua hora de apresentação. “Se pudesse seria bom demais”, resignou-se o
mestre de cerimônias oficial, rendendo-se aos encantos da artista.
Agenda:
Alexandra
Nicolas volta a apresentar Festejo no Arraial nesta sexta-feira (26),
às 21h, no Arraial Terreiro de Maria (Praça Maria Aragão, Centro).
Hoje
(24), às 21h, na praça da Casa do Maranhão (Praia Grande), quem se apresenta é
o compositor Cesar Teixeira.”
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edit
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